quinta-feira, 16 de julho de 2015

PENPAL - Parte 1 - Passos




Essa história é longa, então já quero começar me desculpando por isso. Nunca tive a oportunidade de contar isso tão detalhadamente a ponto de conseguir explicá-la por completo, mas asseguro que é verdade e aconteceu quando eu tinha uns seis anos de idade.


Em um quarto silencioso, se você pressionar sua orelha contra um travesseiro, você conseguirá ouvir seu batimento cardíaco. Quando criança, o som rítmico e abafado parecia-se passos leves no carpete. Então, quando mais novo, quase todas as noites - no momento que estava quase adormecendo - eu escutava esses passos e era tragado de volta à consciência, repentinamente.

Por toda minha infância morei com minha mãe em um bairro bastante agradável que estava em fase de transição - pessoas com baixa renda estavam gradualmente se mudando, eu e minha mãe éramos umas dessas pessoas.  Ao redor de nossa pequena casa havia vários bosques que rodeavam o bairro, onde eu brincava e explorava durante o dia, mas a noite ficava um pouco mais sinistra. Isso juntamente ao fato que nossa casa tinha um grande forro por baixo, que enchiam minha mente com monstros imaginários e situações inevitáveis que consumiam meus pensamentos quando era acordado pelos passos.


Contei para minha mãe sobre os passos e ela disse que era apenas coisa da minha imaginação; persisti tanto até que minha mãe soprou em meus ouvidos por dez minutos, algo que eu achava que ajudaria. Claro que não ajudou. Apesar de toda a bizarrice dos passos, a única coisa estranha que acontecia era que, de vez em quando, eu acordava na parte de baixo do beliche mesmo tendo ido dormir na parte de cima, mas isso não era tão surreal, sendo que às vezes eu acordava para mijar ou tomar água e talvez só não lembrava de ter deitado na cama de baixo (sou filho único, então não era de grande importância). Isso acontecia uma ou duas vezes por semana, mas não era tão aterrorizante. Porém uma noite, não acordei na cama de baixo.

Eu tinha ouvido os passos, mas estava com tanto sono que não me importei, e quando acordei não foi por causa dos passos ou por um pesadelo, e sim pelo frio. Muito frio. Quando abri meus olhos vi estrelas. Eu estava em um bosque. Imediatamente me sentei e tentei entender o que estava acontecendo. Achei que estava sonhando, mas não parecia certo (estar no bosque também não era certo). Havia uma boia de piscina na minha frente - aquelas em formato de tubarão. Isso apenas fez com que a coisa toda ficasse mais surreal, mas depois de certo tempo percebi que não iria acordar, pois não estava sonhando. Levantei-me para tentar me orientar, mas não reconheci esse bosque. Eu brincava nos que ficavam perto da minha casa o tempo todo, então os reconheceria como a palma da minha mão. Mas se esse não era o mesmo bosque, como iria sair dali? Dei um passo e senti uma dor imensa no meu pé que me fez cair sentado de novo. Eu tinha pisado em um espinho. Com a luz do luar, podia ver que estavam por toda a parte. Olhei para meu outro pé que estava bom ainda, como todo o resto do meu corpo. Não tinha mais nenhum arranhão e nem se quer estava sujo. Eu chorei. 
Chorei por algum tempo só depois me levantei de novo.
Eu não fazia ideia para onde ir, então apenas escolhi uma direção. Resisti à vontade de gritar por ajuda, não tinha certeza se gostaria de ser encontrado por seja lá quem estivesse em um bosque no meio da noite.

Eu caminhei pelo que pareceram horas.




Eu tentei andar em linha reta, e tentava voltar à linha original quando tinha que tomar desvios, mas eu era uma criança e estava com medo. Não havia corujas ou gritos e apenas em um momento eu ouvi algo que me assustou. Parecia como o choro de um bebê. Agora, relembrando, acho que era apenas um gato, mas eu entrei em pânico naquela hora. Corri virando em várias direções para evitar uns enormes arbustos e árvores tombadas. Eu estava prestando bastante atenção aonde pisava, porque a essa altura, meus pés estavam em péssimo estado. Eu estava prestando muito mais atenção aonde eu pisava do que para onde eu estava indo, porque não muito depois de ter ouvido o choro vi algo que me encheu de um desespero que nunca tinha sentido antes. Era a mesma boia de piscina.

Não era mágica muito menos uma dobra de espaço-tempo. Eu estava perdido. Até aquele momento eu tinha mais pensando em como sair do bosque do que como eu tinha chego ali, mas voltar ao ponto inicial fez minha mente girar. Eu nem tinha certeza se era um dos bosques que eu conhecia; eu apenas estava torcendo que fosse. Será que corri em círculos ao redor daquele lugar, ou, em algum ponto do percurso, dei meia-volta sem perceber? Como eu sairia dali? Na época eu achava que a estrela mais brilhante era a do norte, então olhei para o céu, encontrei a mais brilhante e a segui.

Eventualmente as coisas começaram a parecer mais familiares e quando eu vi "A trincheira" (uma vala que meus amigos e eu usávamos para brincar de guerra), sabia que havia conseguido. Nesse momento eu já estava caminhando muito lentamente, pois meus pés doíam demais, mas estava muito feliz por estar perto de casa então comecei a correr levemente. Quando eu avistei o telhado da minha casa por entre aos outras da vizinhança, soltei um suspiro e comecei a correr mais rápido. Eu só queria chegar a casa. Já tinha decidido que não contaria nada para minha mãe, porque não fazia ideia do que dizer. Eu entraria na casa de algum jeito, me limparia e voltaria para cama. Meu coração quase explodiu quando fiz a volta e consegui ver inteiramente minha casa.

Todas as luzes estavam ligadas.

Sabia que minha mãe estava acordada, sabia que teria de explicar (ou tentar) aonde tinha estado, e não conseguia nem pensar por onde começar. Diminuí o passo, e até ver sua silhueta por trás das cortinas, e por mais que estivesse preocupado de como explicaria o que aconteceu, isso não me importava naquela hora. Eu subi os poucos degraus da varanda e coloquei minha mão na maçaneta. Um segundo antes de conseguir abri-la, dois braços me envolveram e me puxaram para trás. Eu gritei o mais rápido que pude:

- MÃE! ME AJUDE! POR FAVOR! MÃE!




O sentimento de estar salvo e depois ser fisicamente arrancado dele me encheu de um pavor tão grande que, mesmo depois de tantos anos, é indescritível.
A porta que eu fui afastado se abriu, e uma ponta de esperança surgiu no meu peito. Mas quem abriu não era minha mãe.
Era um homem enorme. Esperneei e chutei os pontos fracos de quem me segurava enquanto tentava também fugir da figura que se aproximava. Eu estava com medo, sim, mas também furioso.

- ME SOLTA! ONDE ELA ESTÁ? ONDE ESTÁ MINHA MÃE? O QUE FIZERAM COM ELA?

Enquanto minha garganta ardia e eu buscava mais fôlego para voltar a gritar, eu percebi um som que me era muito familiar.

-Querido, por favor, se acalme. Estou aqui.

Era a voz da minha mãe.
Os braços se afrouxaram e fui solto, e enquanto o homem se aproximava pude ver suas roupas. Ele era um policial. Eu me virei para ver de quem pertencia a voz e realmente era minha mãe. Tudo estava bem. Comecei a chorar, e nós três entramos em casa.

-Estou tão feliz que você voltou querido. Achei que nunca te veria de novo.

Nesse ponto ela também estava chorando.

- Me desculpe, eu não sei o que aconteceu. Eu só queria voltar pra casa, desculpa.

- Tudo bem, mas nunca mais faça isso. Não sei se eu ou minhas canelas aguentaria...

Uma risadinha quebrou meus soluços e sorri levemente.

- Me desculpe por te chutar, mas porque me segurou daquele jeito?

- Eu só estava com medo de que você fosse fugir de novo

Fiquei confuso.

- Como assim?

- Encontramos o bilhete no seu travesseiro - ela disse, e apontou para um pedaço de papel que o policial estava segurando do outro lado da mesa.

Peguei o bilhete e li. Era uma carta de "fuga". Dizia que eu estava infeliz e que nunca mais queria ver minha mãe ou meus amigos. O policial trocou algumas palavras com minha mãe na varanda enquanto eu olhava a cartinha. Eu não me lembro de ter a escrito.  Não lembrava nada disso. Mas mesmo que eu fosse ao banheiro à noite e não me lembrasse, ou mesmo que eu tivesse ido para o bosque sozinho, mesmo que tudo isso fosse verdade, a única coisa que eu sabia era que...

- Não é assim que se escreve meu nome... Eu não escrevi isso.


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