segunda-feira, 13 de julho de 2015

A coisa que espreita nos campos


Foi há algumas semanas que os fardos de feno começaram a se afastar da minha casa. Todo dia, quando eu acordava, cada uma tinha se movido algumas centenas de metros de onde estava antes. Eu conclui que fossem brincalhões sem o que fazer, então eu ignorei.

 Dentro de alguns dias, no entanto, os fardos começaram a se aproximar dos limites da fazenda. Eu estava cansado do joguinho deles, então decidi movê-los de volta aonde estavam antes. Levou uma tediosa hora para levá-los de onde estavam para perto da casa novamente, e quando eu terminei eu estava disposto a quebrar o pescoço dequalquer merdinha que tentasse brincar comigo.

Na manhã seguinte, acordei com cada um dos meus cavalos decapitados. Foi o cheiro que me acordou. Cada um estava caído de lado em seu cercado. Não havia sinal das cabeças. Eu passei o resto do dia limpando a bagunça e enterrando os restos. Foi só quando eu terminei que eu notei que os fardos estavam nas mesmas posições do dia anterior, fora do lugar. Dessa vez eu as deixei onde elas estavam.

Naquela noite eu me sentei na varanda com minha espingarda e um bule de café na mesa ao meu lado. Fiquei sentado por horas estreitando os olhos para enxergar um relance de quem estava movendo meus fardos de feno. Finalmente, eu comecei a cair no sono. Eu poderia ter cochilado, mas assim que meus olhos começaram a fechar, eu ouvi um barulho e um agitar de arvores na mata próxima. Eu me agjitei, com o coração batendo de agitação; eu ia pegar o desgraçado. Eu engatilhei a arma e levantei da cadeira, esperando por quem quer que fosse para chegar mais perto e emboscá-lo. Foi então quando a coisa chegou perto o bastante para eu enxergar sua silhueta no escuro que eu congelei. A coisa que irrompeu em meus campos da mata próxima não pareceu me notar.

Aquilo espreitava, corcunda e deliberado, na posição de um ladrão na ponta dos pés. Se não fosse pelo fato da coisa parecer ter três metros de altura mesmo abaixada, teria parecido quase frágil. A magreza de seus braços e pernas e a forma emaciada de seu peito, com costelas vizíveis, faziam-na parecer um animal faminto. Ainda assim, aquela coisa era inegavelmente forte. E eu a vi armazenar cada fardo de feno abaixo de seus braços com facilidade e abaixá-los cuidadosamente a uma certa distância, precisando apenas de alguns passos largos para cobrir a distância. Eu a vi trabalhar, movendo cada fardo resistentemente. A coisa tirava um tempo para verificar a posição dos outros fardos no campo, antes de ajustar o fardo no qual estava trabalhando.

Antes de ir embora, a criatura olhou para a casa. Eu senti seus olhos escorregarem sobre mim no escuro, mas se me viu ou não, não sei dizer. Então, aquilo se virou silenciosamente e voltou pelo caminho de onde veio, desaparecendo no escuro entre as árvores. Levou uma hora para eu sequer arranjar coragem de me mover. Eu entrei em casa depois de um tempo, mas não dormi naquela noite. Foi só quando o sol nasceu que eu ousei sair de minha varanda para os campos. Os fardos de feno estavam onde a criatura os tinha deixado. Estranhamente, ele não os levou tão longe quanto das outras vezes.

Os fardos se aproximavam de algo invisível nos campos, e quando olhei para eles entendi que eles pareciam marcar alguma linha. Então, quando eu andei ao redor da casa, eu reparei no distinto círculo que eles formavam, comigo no centro. No começo eu achei que os fardos estavam sendo movidos aleatoriamente para longe da casa, mas então eu compreendi que eles estavam formando algum limite. A coisa estava me mandando uma mensagem. Eu dormi inquieto à noite, e só porque estava exausto.

Na manhã seguinte os fardos não tinham sido movidos. Na verdade, não foram movidos o resto da semana inteira. Eles finalmente estavam onde a coisa os queria. Eu quebrei a cabeça tentando interpretá-los. Por que essa coisa gastou tanta energia movendo meus fardos? Por que me ameaçara com tanta violência? Eu deveria tentar interferir? Matar meus cavalos foi só isso: Uma ameaça. Uma ameaça inteligente. Aquilo sabia que me assustaria, e sabia que eu entederia as implicações.

O som de um automóvel vindo em direção à minha fazenda me deu um pouco de animação. Eu planejava abandonar a fazenda desde que vi a coisa, mas eu não podia arriscar ir a pé, ou a coisa faria comigo o que fez com meus cavalos. Mas, se eu conseguisse chegar ao carro com quem quer que estivesse vindo, eu poderia escapar antes que a coisa me pegasse. Eu não sabia ou me importava com quem estava no carro. Eu decidi que no momento que eles parassem o carro, e pularia no banco do passageiro e diria para dar o fora desse maldito lugar. Mas não tive a chance.

O carro andava lentamente pela estrada, balançando devido ao chão desnivelado. Eu rezei silenciosamente para que ele se apressasse. Foi quando o carro passou entre os fardos dos lados da estrada que eu comecei a ouvir o balançar das arvores. A criatura emergiu de repente de dentro das árvores, dando passos largos em todos os seus terríveis e magricelos membros, se abaixando sobre o carro como um gato. Alguns momentos depois estava rasgando e destruindo o painel de aço do carro, tentando pegar o motorista.

O homem, quem quer que fosse, gritou o tempo todo e deu para ouví-lo mesmo com a amassar do metal e o estilhaçar dos vidros. Foi apenas quando a coisa o esmagou em sua mão, indiferente, que os gritos pararam. O monstro o atirou para longe e se ajeitou para olhar na minha direção. Na luz dos sol, eu pude ver a inumanidade naquilo. Era composta inteiramente de algo terrível e vivo que havia sido amarrado em uma bagunçada semelhança de forma humana. Do que quer que fosse feito, pareca tão polído e duro que se não fosse pelo minuto em que se contorceu, eu pensaria que era feito de granito.

A coisa voltou para a mata, me deixando em meu choque. Meus olhos foram até onde o carro estava, o motor ainda soltando fumaça, entre dois dos fardos de feno. Repentinamente, eu entendi. A mensagem estava clara: Eu sou cativo dessa coisa, e não me eram permitidos visitantes. Nada deveria cruzar as fronteiras que aquilo havia estabelecido. Eu estou preso aqui, pela coisa que espreita os campos, e aquilo não exige nada, apenas que eu nunca saia.

Ainda assim, eu não sei se aguento ser o canário daquela coisa. Eu estive pensando muito nos últimos dias desde que eu vi aquilo esmagando o peito daquele homem, e silenciá-lo antes que ele pudesse concluir seu grito. Se eu cruzasse a fronteira dos fardos, a coisa provavelmente faria o mesmo comigo. Aquilo esmagaria meu crânio antes que eu pudesse levantar minhas mãos para me proteger. Iria procurar por um novo bichinho de estimação, e provavelmente continuaria procurando até que encontrasse alguém que soubesse que ela estaria esperando do lado de fora, vigiando todas as horas com seus olhos brilhantes de inseto. 

Estive pensando muito nos últimos dias, e acho que vou ter que tentar.




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